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Como lidar com as diferenças de opinião

(texto de opinião pessoal do autor)

Hoje estava procurando uma citação para este artigo, mas não sabia onde estava e nem a lembrava direito. Peguei um livro sobre as Nações Unidas para ler e, na página seguinte, lá estava o que eu procurava:

“Já que as guerras começam na mente do ser humano, é na mente do ser humano que as defesas da paz devem ser firmadas.”- Constituição da UNESCO

Essa seria uma pergunta minha mesmo; não é que eu possa ensinar de fato qualquer coisa. É um processo meu, “um operário em construção”. Mas essa pergunta me fez uma pessoa uma migalhinha melhor do que eu era antes dela e, por isso, resolvi compartilhar também.

Talvez para muitas pessoas sejam coisas óbvias que vou descrever, mas para mim não é/era. Se você tiver alguma lição clara a acrescentar, por favor, adicione. Ou talvez seja só mais uma daquelas coisas que vou pensar sobre mim no futuro: “Puxa, como eu era tolo quando escrevi aquilo!”

Mas eu não publicaria se não fosse algo que não tivesse maturado por muito tempo antes de finalmente colocar a pena no papel, com referências aos meus autores mais queridos e que meus leitores habituais já conhecem. Levei um longo período para escrever este artigo, e fui voltando às ideias dele com o passar do tempo, para ver se fazia sentido, até porque considerei a possibilidade de que alguém pudesse se sentir julgado – e não é a minha intenção – como disse é mais um estudo próprio do que dos outros. Aposto também que alguns vão achar este post engraçado! (aqui “engraçado” é uma forma mais branda de “ridículo” : )

Mãos à obra!

Vamos estudar alguns exemplos

Muitas vezes eu escrevo ou leio aqui (e na mídia também) diferenças de opinião marcantes:

Tal coisa ser “bom ou ruim”,

Tal adição ser “necessária ou não”.

“apoiar ou boicotar” algo

está “enganando ou falando a verdade”

“julgar ou idolatrar” algo

“ofender ou defender” alguém
“obrigatório” fazer tal coisa

Meu impulso é querer defender ou justificar um ponto de forma veemente, muitas vezes ficando irritado ou partidário já ao escrever ou formular minhas ideias. Já é um presságio, não?

Algo que percebi nas frases-exemplo acima é a divisão rígida, o contraste claro entre os dois verbos ou advérbios entre aspas. Agora guarda isso tudo um pouquinho, que no fim do artigo vamos voltar aqui.

Unicidade x divisão

Esse contraste entre as palavras me fez lembrar de algo que Sri Chinmoy sempre comenta: que muitos dos problemas do mundo, tanto dentro do homem quanto fora dele (como as  guerras) acontecem por causa do sentimento de divisão, que é algo que vem da mente. A mente é um instrumento que compreende a realidade através de uma informação imperfeita, e dividindo-a em pedaços limitados ao tamanho dela própria e que possa “mastigar”. Ou seja, cada pedaço não é a realidade. Pode ser muito menos do que a realidade, ou pode ser muito mais – pegamos um grão de areia e transformamos numa montanha. Podemos ver que os “partidos” (literalmente: quebrados), sejam eles políticos, ideológicos, etc, normalmente têm um princípio guia. Partido de Tal Coisa, Partido de Outra Coisa. E eles usam a “Tal Coisa” como uma bandeira, que serve de símbolo, rótulo, de ponto de referência para se opor a “Outra Coisa”. Se o partido é dos pequenos, parece que temos de odiar os grandes. Se o partido é dos grandes, parece que temos de esmagar os pequenos. E por aí vai.

Thomas Jefferson não gostava da divisão tão forte de partidos que cresceu no início da república dos Estados Unidos e que mais tarde se tornou geográfica (Norte x Sul), culminando com a Guerra Civil. Ele tentou mitigar as diferenças, e as fontes de diferenças, tratando as pessoas pelo que elas eram e podiam se tornar. Ele sentia que era importante, muito importante, que todas as pessoas tivessem compreensão e opinião, que fossem educadas, mas não que essa opinião fosse motivo de divisão; não que se filiassem a um nome particular, um rótulo, mas que continuassem sendo indivíduos evoluindo em suas percepções e consciência sem ideias rígidas sobre qualquer coisa. As coisas rígidas ferem as outras ao seu redor e se partem no mesmo processo.

Já, quando você ama algo ou alguém de fato, você estabelece o inverso da divisão, o sentimento de unicidade. Você sente que aquilo ou aquela pessoa é parte de si. Você não consegue sentir inveja, ciúmes, etc, de você mesmo, não é? É claro, isso é uma meta elevada, que leva tempo, experiência e preparo – mas não é uma meta inalcançável. Você ama o Verdadeiro dentro do objeto do amor. É como a água que entra no recipiente ou encharca o tecido. Ela passa a fazer parte da coisa.

“Em questões de estilo, siga o fluxo…”

Uma frase que nunca me esqueci saiu também do meu amiguinho Thomas Jefferson:

–“Em questões de princípio, seja como uma rocha. Em questões de estilo, siga o fluxo.”

Com as coisas na vida, eu percebi que, quanto mais o tempo passa, mais eu “sigo o fluxo”. Quando tinha meus 19 anos, eu era bem mais reativo, e achava que muitas coisas (como opiniões) eram essenciais. Eu considerava muitas dessas coisas “questões de princípio” e lutava duramente por elas, ferindo quem fosse preciso, pois achava algo inamovível. Já hoje, com 39 anos, ainda me vejo como uma criança, mas percebi que tenho uma migalha de sabedoria a mais do que com 19. Algumas coisas que antes eu considerava “questões de princípio”, hoje eu enxergo mais como “questões de estilo”, e, portanto, já consigo evitar me desgastar e aos outros com uma oposição que hoje sinto desnecessária. Sou menos irredutível do que antes. Confesso que estou animado para ver como eu estarei com 59 e 79 anos, e se vou voltar aqui e mudar tudo que escrevi. O tempo veio e me trouxe experiências. Junto com ele, a idade trouxe uma certa sabedoria acumulada sobre como lidar com essas experiências.

Estudando homeopatia, me deparei com sintomas físicos e psicológicos que as outras pessoas têm que estavam além da minha capacidade de conceber. É como se fosse o inverso do que é natural para mim. Por exemplo, eu sempre sofro muitíssimo de calor em lugares fechados, e sou bem calorento. Entre alguns amigos, sou famoso por andar de bermuda na neve. Certo dia desses, numa sala fechada no inverno na Europa, tirei as meias, abri todos os botões e fiquei me abanando com a barra da camisa polo, para tentar parar de suar e a pressão não baixar demais. De repente, um colega, no mesmo lugar, que já estava com duas blusas (!) veste o capuz da blusa (!!) para se proteger do frio e vento (!!!) . E eu estava me derretendo de calor, tentando não ficar de mau humor por causa do desconforto físico! De repente, ao observar o outro, a minha realidade ficou maior, mais abrangente. E eu, mais compreensivo e tolerante.

Abraham Lincoln tem uma frase muito bonita, em resposta a um comentário relacionado às vitórias que estavam tendo na Guerra Civil americana, sobre Deus estar do lado deles:

–“Não é uma questão de se Deus está do nosso lado; mas sim se nós estamos do lado de Deus.”

Usando as palavras de forma a não exacerbar a divisão

Não conseguimos alcançar unicidade simplesmente com boas maneiras – para isso, uma mudança interior profunda dentro de cada indivíduo que compõe o grupo, nação, mundo, é necessário. Isso leva décadas de espiritualidade e esforço pessoal individual intenso. MAS, podemos não exacerbar o sentimento de divisão através de um uso com mais parcimônia das palavras com mais parcimônia.

Thomas Jefferson deixou o famoso ditado: “Quando irritado, conte até dez antes de falar algo. Se estiver muito irritado, até cem.” Ele escreveu uma carta, bonita como sempre, ao seu neto, onde comentou coisas como: “O bom humor é um mantenedor da paz e tranquilidade…ele é auxiliado pelas boas maneiras de forma tal que estas também são aquisições de valor. … à prática de sacrificar-se àqueles que encontramos na sociedade, as pequenas coisas que os agradam, e que nada nos tiram, vale dedicar um momento de nossa atenção….que preço pequeno pela boa vontade dos outros! Quando é em resposta a algo rude dito por outro, isso o traz à luz, corrige-o da forma mais saudável e coloca-o à disposição da sua boa natureza… e nunca devo omitir uma regra para governo em sociedade: nunca entrar numa disputa ou discussão com outros. Nunca vi um caso de disputantes convencerem um ao outro por argumentos. Mas vi muitos, acalentados, tornando-se rudes e atirando um no outro. A convicção é feita da nossa razão calculada, em solitude ou pesando em nosso interior o que ouvimos dos outros de forma fria, sem tomar partido de qualquer argumento…”

Outra coisa que poda ajudar é dar fatos simples, quando útil ou necessário. Ultimamente, quando almoço com alguém e sou perguntado quando vêem o meu prato, só digo que não como carne. Nem costumo mais dizer que sou vegetariano, porque é muito comum hoje isso ser um rótulo e trazer associações que não fazem parte de mim: lutar por direitos dos animais, importunar as pessoas que comem carne com comentários ou informação que não é bem-vinda, etc. Eu simplesmente não faço isso. O fato no caso é simples, e a descrição simples é também a mais precisa. Eu não como carne. Só isso. Mais nada.

Vale lembrar outro ditado para balancear as coisas que escrevi até agora, cujo autor já não se sabe mais quem é, mas que diz que convém ser moderado em tudo, até mesmo na moderação.

Um exercício

Que tal voltar ao início do artigo e reescrever os termos com uma redação que não instiga a formação de partido e nem associações por rótulos? Minhas tentativas são:

Tal coisa ser “bom ou ruim” – Agradou-me sempre  / Não aproveitamos bem nas vezes que testamos.

(Fica algo pessoal seu, e não uma chancela definitiva sobre a coisa em si)

Tal adição ser “necessária ou não”.  – A adição foi uma boa experiência. / Não sentimos que o ficou melhor quando a usamos

(a sua experiência foi essa, o que não quer dizer que sempre será, nem que será assim a dos demais)

(Simples fato, sem julgamento, e é o que é necessário para as próximas providências de quem estiver interessado.)

“apoiar ou boicotar” algo ou uma empresa – espero que o mercado se estabilize naturalmente

(uma variação moral do laissez-faire)

fulano/etc está “enganando ou falando a verdade” – o tempo dirá o que acontecerá nesse caso

(Não sabemos a verdade absoluta – muitas coisas são verdades relativas, coisas que fazem sentido apenas de um ponto de vista, mas não de todos os outros – é como olhar as árvores numa montanha por uma encosta e dizer que todas as suas encostas tem árvores iguais – talvez tenha um vinhedo na outra encosta, rocha, ou mesmo neve! (Montanhas são coisas que definem o clima!))

“ofender ou defender” algo ou alguém – Você pode simplesmente omitir sua expressão nesse caso, que tal?

(“quando irritado, conte até dez; quando muito, até cem”)

Lembrando que não é o caso de que não se deve reclamar de coisas que você ache incorretas, mas sim de que não tendo certeza absoluta e irrefutável (praticamente impossível), o mais correto é ir devagar com fatos simples e deixar as portas abertas para a compreensão mútua. Tipo uma Nações Unidas – mantendo o diálogo entre as partes, sem fechar as portas da razão e interesse mútuo (e global por consequência). Um colega que trabalha nas Nações Unidas me disse uma vez que é como se o objetivo é que ninguém “fique feliz”. Por quê? Explicou: “Se alguém fica muito feliz, é porque alguém acha que saiu na vantagem.” Assim, muitas das resoluções de conflitos tratam apenas de fazer um acordo aceitável entre as partes, onde ambos têm coisas a ganhar, mas igualmente têm coisas a ceder. É uma forma atual de resolver conflitos. Ganha, mas também cede.

Um desafio moderno – a distância física e a proximidade eletrônica

Hoje ainda temos uma barreira adicional. Sri Chinmoy lembrou que, no século XIX, antes da Primeira Guerra Mundial, todos moravam longe – levava-se semanas para ir de um lugar do mundo ao outro. Mas havia um sentimento de fraternidade mundial, de unicidade. E foi o sentimento de divisão, divisão criada pela mente, que tirou esse sentimento. Todavia, hoje posso chegar no outro lado do mundo em menos de um dia, mas sinto que é uma OUTRA nação, que aquele é um OUTRO povo, que sou estrangeiro. (Note que Sri Chinmoy era um otimista e sentia que o mundo está evoluindo com toda certeza, apesar de alguns soluços temporários como esses que, observados após décadas ou séculos, dissolvem-se no tempo.)

As descobertas tecnológicas, como os meios eletrônicos de comunicação, encurtaram todas as distâncias físicas, mas tiraram parte da magia do esforço e toque pessoal. Acho que isso dificulta muito a nossa expressão, feita às pressas nos fóruns, telefones, emails e internet, sem um revisor ou editor-chefe por trás para dizer ao escritor: “Escuta, essa frase aqui, não ficou muito assim ou assado? Que tal reescrever assim? Acho que fica mais clara e compreensível por todos.” Ou “Acho que você pode perder o seu leitor com a frase de abertura – que tal primeiro explicar um pouco a ideia e deixar essa frase para o meio ou fim do texto?”

Hoje, eu escrevo um email ou uma mensagem, seja para amigos ou no trabalho. Quanto desentendimento isso gera por vezes, não? E a impessoalidade? Perdemos o tom de voz que tem numa ligação telefônica, perdemos a expressão e o brilho nos olhos de quando vemos alguém à nossa frente. Você trataria as pessoas da mesma forma se estivesse em frente a elas? Eu diria que, na maior parte dos casos, ao estar presente diante de outros, seria mais educado com os aparentes erros e também mais aberto a oferecer o seu carinho a um “fellow human being” bem na sua frente. Perdemos temporariamente e em certo grau o sentimento de sacralidade do ser humano. De fato, parece que ganhamos algo com esses avanços ultramodernos, mas muitas vezes acaba que renunciamos muitas riquezas verdadeiras para dar espaço a esses “new kids on the block”. Parece-me que tenho de tentar usar mais o coração no nosso dia a dia, aquele coração que nasce quando nasci criança – que não valoriza tanto as coisas complexas, mas que ama tudo e sente que tudo é beleza ao seu redor.